6.2.21

DOUTOR, QUERO TROCAR MEU MONGOLOL

A ausência de sentimentos é pior que a depressão. Já escrevi isso aqui, tentando descrever o embotamento causado, muitas vezes, não pela doença, mas pela medicação. Acho difícil esquecer de um tempo em que eu, apertado pra ir ao banheiro, pesando quase 120 quilos e sem nenhuma libido, perguntava à patroa se ela achava que eu deveria ir mesmo ao banheiro. Esse para mim foi o tempo do lítio, no início do tratamento, quando tudo o que a medicação fez foi melhorar a qualidade de vida de quem estava a minha volta – e não a minha. Claro que pra muita gente o lítio resolve o problema, mas não foi o meu caso, isso estava óbvio. Talvez faltou á psiquiatra da época, ao invés de me manter num tratamento desumano, se perguntar se não seria meio anormal alguém que conseguiu se inserir no mercado de trabalho como advogado autônomo estar agindo, depois do lítio, como um semi-vegetal.

Pois assim como aquela época ruim desapareceu com o melhor tratamento que eu tive em substituição ao lítio, dessa vez chegou a hora de dar adeus ao Trileptal que outrora me salvou, talvez, até do suicídio. Após 4 anos de uso contínuo e regular do Trileptal, finalmente eu começo a sentir mais prejuízo que benefício no uso desse estabilizador. Um pequeno aumento nos episódios mistos, indicando que o medicamento já não produz o mesmo efeito de antes, não foi o que motivou a mudança de medicação que está por vir, mas a piora na minha capacidade de concentração e de tomar atitudes e decisões - acionar o “start”, pra começar a fazer o que quer que eu precise – que me motivou a buscar a mudança no tratamento, pois eu estava travando mais e mais, dia após dia. E quando isso começa a atingir o trabalho, não dá pra ficar sentado esperando para ver no que vai dar.

Durante um estado misto, onde depressão e mania são perceptíveis ao mesmo tempo, é difícil saber exatamente o que está acontecendo. É difícil se perceber, se situar. Depressão, depois de um tempo, até dá para perceber que ela está ali, porque se sucumbe de forma muito óbvia, a perda de motivação é óbvia, as cores do mundo mudam de forma óbvia, e um lampejo mínimo de racionalidade que seja, durante um estado depressivo, é suficiente para fazer perceber que o exagero na tristeza com que o mundo se apresenta só pode estar vindo de dentro pra fora, e não de fora pra dentro, como acontece com alguém que acaba de perder um ente querido, por exemplo.

Mania, depois de um tempo, e de minimizá-la com tratamento, também dá pra perceber que se instalou. No meu caso, eu patológica e compulsivamente passo a achar que as pessoas bola-da-vez (aquelas a quem se dirige a agressividade, e dependendo do nível do estado maníaco, a todo mundo), não só perderam a consideração por mim, como estão fazendo questão de demonstrar isso. Coisa que só está acontecendo em minha cabeça quimicamente alterada pela doença bipolar.

Mas e estado misto? Estado misto é uma espécie de “angústia agitada”, é como ficar rodando entristecido e sem parar atrás do próprio rabo. Deprimido, mas nem por isso menos agitado, é o que parece um estado misto. É um bate-bola entre a angústia da depressão e a raiva da mania, onde não bastasse a tristeza da depressão, ela tem de vir acompanhada de sentimentos de ódio (para alguns mais sortudos, de grandeza), que se agravam consideravelmente pela dificuldade de comunicação que eu sinto nesse estado. E se tem uma coisa que torna a vida muito difícil, não só entre loucos bipolares e outros tantos transtornados, mas entre as pessoas que gostam de crer que são normais também, é a dificuldade de expor o que se quer, o que se sente. As conseqüências da dificuldade de comunicação entre as pessoas são tão óbvias quanto pregam os autores de livros de auto-ajuda e ao mesmo tempo, tão difíceis quanto se mostram na vida real. Não saber expor os próprios sentimentos da forma adequada, no momento adequado, ou para a pessoa certa, gera rompimentos de toda espécie, no trabalho, no amor e em todas as relações sociais. Não precisa ser normal para entender isso. Mas precisa ESTAR normal para entender isso. Porque num estado misto, por exemplo, eu não vejo minha dificuldade de me expressar como uma dificuldade de me expressar, eu vejo como desconsideração do outro que não quer me entender.

Ora, eu ao menos aceito a existência da doença bipolar, mesmo ouvindo, como ouvi, nesse final de semana, de um médico, que isso se cura com um machado e muita lenha pra cortar. “Tudo bem, ele é ortopedista”, disseram os outros médicos na mesa, alguma espécie de piada sobre os ortopedistas não serem médicos, eu acho. Mas eu aceito a doença bipolar, não desprezo a classificação médica da Organização Mundial de Saúde (o famoso C.I.D., que cataloga mais de 200 transtornos mentais diferentes), e sei que parte da culpa da ignorância humana sobre transtornos mentais reside nas pessoas com a lamentável cara-de-pau de usar a doença como desculpa. Mas outra parte reside no próprio atraso da medicina psiquiátrica, ciência da qual nem meu amigo médico ortopedista, que na faculdade estudou medicina psiquiátrica, parece acreditar piamente, tanto que se vangloriou, na mesa, de ter ficado de segunda época “só nessa matéria”.

Pois após 4 anos usando trileptal, é hora de dar adeus. De uns tempos pra cá, os prejuízos cognitivos vem aumentando consideravelmente. Ando com uma dificuldade imensa de me concentrar nas tarefas que eu tenho que fazer. Não consigo encadear meu raciocínio de forma a compreender todo um processo em algum trabalho específico que eu tenha que realizar, do início ao fim. Daí isso me angustia mais, e, com mais dificuldade de dizer o que eu preciso, acabo brigando com quem trabalha comigo, e não conseguindo de jeito nenhum que seja feito o que é preciso, que eu já nem sabia mais direito o que era mesmo. E em estado misto eu me questiono se sou eu, se é depressão, mas não parece, porque eu fico cronicamente agitado, mas daí não consigo usar esse gás pra fazer nada que precise ser feito, e a tristeza aumenta e ajuda a piorar o resto, e o ciclo se amplia, e tudo fica embaçado, e é aquela novela que quem tem doença bipolar (de verdade) sabe de cor, quem não tem desconfia que não existe, e tudo bem também, cada um pense o que quiser pensar e aceite e medida da própria ignorância em sua vida, que se enganar com a crença de que o pouco que se sabe já é muito, é um bom jeito de achar que está feliz.

Daí a pergunta: mas como foi que você descobriu que o que estava te fazendo mal era o remédio e não mais um complexo episódio da doença? Não tem fórmula mágica pra isso, eu simplesmente percebi que de um tempo pra cá, em absolutamente todos os estados em que eu me encontrasse, misto, depressivo, maníaco, eutímico, eu estava começando a babar na gravata, a agir como lesado, esquecer palavras, esquecer conversas, sentir um freio, um grilhão invisível, mas imenso, em tudo o que eu queria fazer, como se, independente do estado da doença, forças misteriosas conspirassem com sucesso para que eu não conseguisse sair do lugar de jeito nenhum. Escrever aqui então, nem pensar, não saía nada nem espremendo.

Sem mencionar que quase 10 dias sem trileptal devolveram boa parte do meu raciocínio, e pior, de um jeito que eu já nem lembrava mais que funcionava. Não, eu não deveria ter interrompido o tratamento sem aconselhamento médico. Sim, eu sei que em breve terei um rebote de crise por conta disso, mas eu precisava respirar, precisava sentir que existe vida à minha volta, precisava da certeza que o mundo ainda está por aqui e que não, tudo não está tão ruim quanto vem parecendo, não, eu não virei um vagabundo que precisa de machado e lenha pra trabalhar da noite pro dia, e não, tudo não fica na mesma não importando o que eu faça.

Receio, receio mesmo, eu tenho do que está por vir. O novo medicamento pode reduzir a taxa de glóbulos brancos no meu organismo. Vai ser realmente ótimo tomar um soco numa sessão de sparring, abrir o supercílio, e não só não cicatrizar, como infeccionar mais.

E tem médico que diz que um machado e muita lenha pra cortar cura doença mental. Antes fosse, pois para mim isso seria um treino, já que treinar golpes de machado, continuamente, ajuda a melhorar a força para o boxe. Mas carregar um machado por aí, não sei, mas acho que não ajudaria a melhorar as relações sociais.

Então, lá vou eu tomar meu novo mongolol, ou remédio de cabeça, como queiram, e sangrar mais, ao invés de seguir o conselho do meu amigo ortopedista e sair por aí com um machado nas mãos e um surto maníaco-depressivo na mente, que acho que vai deixar a gente normal toda morrendo de medo. E assim, eu continuo preferindo as minhas cicatrizes que as dos outros.

Mas até chegar o remedinho novo... muaaaahahahahaha!

Fui.

9.6.17

Sem medicação


"Eu sou tão malvado que eu deixo a medicina doente" ― Muhammad Ali.


Eu faço tratamento de uma suposta bipolaridade há mais de 12 anos. Usei varias combinações de medicamentos ao longo dos anos, não porque eu quisesse, mas porque após alguns anos de uso cada estabilizador de humor parece perder o efeito e é hora de trocar de medicação, iniciar um novo ciclo. Mas eu fui notando que de um tempo pra cá, esses medicamentos não só iam perdendo mais rápido os efeitos no meu humor elevado, como começaram a me manter num constante estado depressivo e de falta de motivação. 

Contrariando tudo que escrevi aqui ao longo dos anos, tomei uma difícil decisão. Parei com a medicação.
Então eu estou nessa fase sem o uso da medicação há um mês. A medicação é uma baita rede de segurança, mas é só o que ela é, ela não cura a doença e durante vários períodos, especialmente no começo e no final do uso de um estabilizador de humor, também não alivia exatamente os sintomas. E não dá para esquecer o prejuízo do uso contínuo de estabilizadores de humor no fígado, na tireoide, no coração e especula-se, no aparecimento de câncer. Ou que o uso contínuo pode acelerar doenças como Parkinson e Alzheimer e diabetes. Seu psiquiatra, muito preocupado com a sua saúde, faz o que ele aprendeu que é melhor nesses casos e não te conta tudo, pode apostar. 

Quem tem bipolaridade e outros transtornos persistentes pode escolher entre adoecer da doença ou adoecer do remédio. Como o que interessa na indústria farmacêutica é apenas o lucro, os pacientes ficam presos por décadas com as mesmas porcarias. Tenho acompanhado a discussão sobre o uso do CBD, ou canabidiol, por exemplo, como estabilizador de humor. Eu só acompanho essa discussão porque sei inglês, porque se depender de mídia e publicações aqui no Brasil, o pouco sobre isso que se discute mostra um preconceito da classe médica que é tão retrógrada que ao mesmo tempo que eles não admitem algo que talvez não detone tanto a saúde do paciente quanto os remédios que dão lucro na grande indústria, sob o argumento que não há certeza dos efeitos ou da falta de efeitos colaterais, eles aceitam ficar com medicamentos que comprovadamente dão efeitos colaterais que você não desejaria para um rato de laboratório. 

Diante de qualquer transtorno mental sério, seja ele provisório como um transtorno de estresse pós traumático; persistente como uma bipolaridade ou um transtorno obsessivo compulsivo; capaz de trazer um enorme sofrimento ao doente, como uma depressão, ou capaz de fazer outras pessoas sofrerem impiedosamente como os narcisistas patológicos, qualquer transtorno sério requer da parte da pessoa transtornada ações capazes de minimizar o sofrimento. O autocontrole é sempre desejável por quem não o possui, tanto quanto é inalcançável em muitos momentos, mas é uma constante luta, tem que ser, não tem outro jeito. 

Nem sempre quem amamos e está próximo de nós vai perceber nosso empenho em lutar para melhorar as coisas, simplesmente, porque “as coisas” dizem respeito exatamente ao nosso comportamento destrutivo e disfuncional. Nunca pus um dedo nas minhas filhas, mas em alguns dos meus surtos eu passei da conta verbalmente, levantando a voz de forma absolutamente desmedida e detonando com a autoestima delas. Sempre busquei compensar isso com minha presença constante na vida delas, procuramos estar juntos três dias da semana. Quando estamos juntos, na maior parte do tempo, ficamos juntos de verdade, nem que seja vendo uma série de TV.  Mas no quesito “não levantar a voz e me tornar nervoso e agressivo”, eu falhei com elas, várias e várias vezes, ao longo dos anos. E agora estou numa fase sem a rede de segurança dos remédios, então, minha atenção ao meu comportamento tem que ser redobrada. Um método de controle que eu desenvolvi com elas ao longo dos anos é deixar claro a elas que elas podem me avisar se eu começar a passar da conta. 

A escolha de ficar sem a medicação por um tempo teve várias razões. A maior delas é que os estabilizadores de humor, eu suponho, passaram a piorar os meus estados depressivos, até que eu me sentisse em constante depressão e isso começou a acabar com a minha motivação. O problema é que para mim, não é recomendável usar antidepressivos, já que eles induzem um lado pior que a falta de motivação, no meu caso, que é ficar muito nervoso e começar a agredir verbalmente as pessoas, ainda que eu tente não fazer isso. O antidepressivo impulsiona pra cima, quando se está no fundo do poço, o problema é que em algumas doenças psiquiátricas, o antidepressivo joga pra cima um pouco demais. O estabilizador de humor geralmente faz o caminho contrário. Apesar de atuar como antidepressivo em boa medida e para muitos casos de muitos transtornos, geralmente ele faz descer, quando se escalou alto demais. E alto demais não é positivo demais. Não existe “positivo demais”, existe uma piora geral no estado de quem passa muito tempo acometido de estados maníacos. Sorte de quem produz muito em estados maníacos, mas meus únicos sintomas que restaram quando eu fico nos estados acentuados “pra cima”, depois do uso constante de estabilizadores de humor por mais de uma década, foram alguns curtos momentos de agressividade e a falta de controle sobre pensamentos obsessivos,  esses, parte de uma possível comorbidade com minha suposta bipolaridade. 

 “Doenças que interagem” define comorbidade em 3 palavras. Não há dúvidas que existe essa interação entre bipolaridade e TOC (transtorno obsessivo compulsivo) ou, em inglês, a sigla OCD (Obsessive-compulsive disorder). Essa interação é interessante, alguns estados da bipolaridade são como uma injeção eletrônica no motorzinho do TOC e 200 pensamentos obsessivos num dia comum na vida de alguém com TOC viram 2000 quando se soma sintomas maníacos de bipolaridade e TOC. O tratamento mais comum de TOC é aumentar sua carga de serotonina no cérebro. Só que os antidepressivos que fazem isso também desencadeiam reações maníacas em muitos que sofrem de bipolaridade. Então, se é um desafio tratar bipolaridade, tratar a comorbidade com TOC é duas vezes mais desafiador. 

Depressivo, sem foco, sem motivação, incapaz de tomar decisões e produzir. Tudo isso já é motivo de sobra pra dar um tempo na medicação. Não comecei a me tratar ontem, não é algo inconsciente, do ponto de vista de quem alterna estabilizadores de humor há 12 anos, sentir que é preciso uma pausa e uma nova tentativa de equilibrar as coisas sozinhas, sem rede de segurança. Ao longo desses anos eu já tomei carbamazepina, trileptal, lamitor, quetiapina. No começo do tratamento, foi pior, tomei lítio. Esse sugava a vida de dentro de mim, impiedosamente. Era uma briga enorme no meu cérebro pra aceitar lítio e como ele era devastador me obrigava a tomar antidepressivos pra compensar. E os antidepressivos me jogavam lá em cima e o lítio lá embaixo e assim foi durante muitos anos e com muitas outras combinações ruins, de opções ruins, de uma indústria poderosa e na mesma medida, alienante. 

Ultimamente, meu tratamento era com quetiapina. Diminuí a dose até 25 mg por dia e depois de um mês, eu parei. No mesmo dia que eu parei de tomar, meu sono, que habitualmente era de 8 horas, caiu pra cinco horas de duração. Eu estava totalmente dependente de quetiapina para dormir. Estabeleci 5 horas de sono como base do que seria aceitável, ou seja, se eu perceber que meu sono diminui para menos ainda do que cinco horas diárias, alerta vermelho, hora de pensar nos estabilizadores de humor novamente. Se os pensamentos obsessivos ou a agressividade ficarem fora de controle, alerta vermelho, hora de pensar nos estabilizadores de humor novamente. 

Depois de 3 semanas sem quetiapina, que eu tomava há 3 anos, meu sono subiu de 5 para 7 horas de duração por dia. Claro que nem todo dia é igual, mas enquanto situações fora a doença que tiram o sono não tirarem o sono para menos que 5 horas diárias, eu creio que tenho um bom marcador do controle do meu humor. No meu caso particular eu aprendi, ao longo dos anos, que o sono é um bom marcador dos meus estados de humor. 

Ainda não recuperei minha motivação, mas uma pequena parte dela eu sinto que recuperei, nesse período sem remédios. Também sinto, por ora, uma melhora na minha cognição. Eu sei, conscientemente, que isso tudo pode virar num estado maníaco de uma hora para outra, quando eu precisarei voltar para os remédios. Mas até lá, pelo menos por um tempo, vou tirar essas férias dos medicamentos e redescobrir como é ser eu mesmo, com tudo que ser eu mesmo oferece. 

Fui.

30.5.17

Moça que brilha



Resetando. Reiniciando o sistema. Postagens antigas, remetidas para a pasta rascunhos. 225 postagens, em 12 anos de blog. Pensando bem, 224 postagens. A vontade é de vida nova. Da vida antiga, pelo menos por enquanto, vai ficar só uma postagem, de 01 de julho de 2014:






Eu fiz essa postagem em julho de 2014, contando o que aconteceu com a minha escolha, após um período de seis meses sozinho que eu passei. Essa mulher chamou minha atenção, num site de relacionamentos, que eu me cadastrei depois que terminei meu relacionamento anterior, que foi em 2013. Durante mais ou menos os 3 primeiros meses de 2014, eu e essa moça trocamos piscadas pelo site de relacionamentos, mas eu não me cadastrei no acesso pago do site, porque eu não me sentia realmente pronto para conhecer alguém. 

Quando eu finalmente me considerei pronto, por volta de junho de 2014, eu entrei em contato com ela, mas ela me disse que agora ela estava num relacionamento, que ela era fiel porque era grata pelo que a vida lhe trazia e por isso, gentilmente, ela ia recusar meu convite para nos conhecermos pessoalmente, naquele momento. Eu lembro que me senti feliz por ela, especialmente pelo fato dela ter sido honesta comigo. Mas eu também lamentei a perda da oportunidade de conhecê-la fora do ambiente virtual, porque eu havia decidido ficar um tempo sozinho e quando eu fui tentar, já era tarde demais.  

Que coisa. Em 2014, eu decidi não me envolver enquanto não estivesse razoavelmente pronto. Quando me senti pronto, ela já tinha ido. Então eu fiz algo que eu acho, nunca deveríamos fazer. Eu simplesmente me deixei ser escolhido por outra pessoa, porque não queria ficar sozinho. E com essa decisão, um sentimento de “tanto faz” começou a tomar conta de mim, desde a raiz e se estendeu para tudo que dizia respeito a viver nesse mundo, exceto meu contato com minhas filhas. E esse sentimento de “tanto faz” durou dois anos, até o meio de 2016, quando toda a letargia se foi, de uma vez só, com os golpes que eu tomei, não apenas da ex namorada, mas do ex sócio também. E assim, “tanto faz” virou, de repente, “que bosta de mundo”. Mais alguns meses após essas rupturas e eu descubro coisas piores, tanto da ex namorada quanto do ex sócio. Tinha início uma depressão profunda -  até mesmo para os meus padrões – e enquanto eu me isolava do mundo, eu via pela minha janela todo um país se afundando nas mesmas crises, provocadas, basicamente, pela mesma falta de lealdade e de empatia que parece que viraram regra.  E mais uma vez, as únicas pessoas com a ingrata tarefa de me mostrar que o mundo tinha cores diferentes das que eu enxergava, eram minhas filhas, agora com 12 e 14 anos. E toca mais uma fase de depressão profunda do papai. E toca, mais uma vez, o esforço delas em me compreender e em não me abandonar, apesar do meu estado. 

Eu nunca tive muitos sonhos relacionados a ambições profissionais, em compensação, uma coisa que eu sempre quis levar dessa vida era o amor. Eu não queria só viver. Eu queria amar, amar de verdade, saber como é esse sentimento, o que ele faz com a gente, não no plano do ideal, no plano da realidade. Quando criança, eu não queria ser astronauta nem engenheiro, eu queria encontrar amor de verdade. E no momento que eu estava passando em 2016, onde quase nada havia sobrado, esse desejo também estava praticamente morto. 

Só uma luzinha ainda “piscava”, lá dentro de mim, bem escondida: Eu não havia esquecido aquela moça que eu deixei de conhecer pessoalmente em 2014, porque “eu não estava pronto”. 

Eu nunca esqueci o que eu senti nas mensagens que trocamos em 2014, nem o quanto me custou demorar a procurá-la. Então, eu não quis esperar “estar pronto” dessa vez e correr o risco de novamente levar outro fora da vida, e, pronto ou não (não), a chamei no Messenger. Era outubro de 2016, e eu descobri que uns meses antes ela também havia terminado aquele relacionamento dela. Só que, na defensiva como eu estava, depois de tudo que eu havia recém descoberto, sem estar preparado para começar um novo relacionamento, eu simplesmente não conseguia nem conversar pelo messenger. Ela se assustou, disse que eu não parecia em nada com aquele cara das mensagens de 2014. Eu continuei na defensiva e senti que havia mesmo desistido que qualquer sonho em minha vida e não dei continuidade a conversa, que durou exatos dois dias de trocas de mensagens no Messenger. Minha mente estava devastada com a falta de confiança que eu vi nas pessoas mais próximas que eu tinha. É chocante descobrir que não sabemos em absoluto quem são as pessoas que nos cercam nessa vida. O problema é que quando surge alguém que vale a pena, nós simplesmente já não sabemos mais distinguir. 

E assim, encerrada a conversa que mal se iniciou no messenger, mais um mês se passou. Pra variar, eu não a esqueci. E agora eu sabia que ela estava sozinha e eu sabia seu numero de telefone. Isso não podia acabar assim, não fazia sentido. Resolvi mandar um áudio. Ela esqueceu, ou pelo menos ela relevou toda a loucura da conversa que eu tive com ela no mês anterior pelo Messenger e nós marcamos um encontro. Era novembro de 2016 e finalmente eu ia conhecer a mulher que povoava os meus sonhos há tanto tempo e após tantos desencontros. 

E assim aconteceu. Apesar de estar profundamente ferido e sem nenhuma fé, imerso na escuridão provocada pela cortina de negatividade a minha volta, ao me deparar com essa linda mulher, essa criatura mítica, essa amazona, foi impossível não enxergar tanto brilho. Só não sendo desse mundo mesmo, alguém de coração tão aberto conseguindo aceitar em sua vida outro alguém que passou a crer que já não havia mais nada. Eu não estava mais na minha melhor forma. Eu comecei a colecionar traumas, decorrentes das rupturas que eu tive. Precisamos de coragem nessa vida, para deixar as coisas ruins ir embora. E quando elas ainda não foram embora, é ruim começar um novo relacionamento, porque outra pessoa vai se machucar. A não ser que a outra pessoa seja a moça que brilha e que, sendo a moça que brilha, ela foi capaz de ver além, ela entendeu que eu ESTOU assim, eu não SOU assim. 

Então, finalmente, eu confirmei, existe nesse mundo alguém assim, que emana luz, que tem amor de verdade dentro de si, que enxerga além da superfície. A moça que brilha ama as pessoas. Um bom exemplo disso, eu vejo hoje em dia, ela beija e abraça sua empregada de manhã. Sério, quantas pessoas a gente conhece nesse mundo que fazem isso? Se você não ama muito sua vida você não beija e abraça sua empregada toda manhã. Não, essa moça definitivamente ama a vida. Ela realiza. Ela não depende. Ela não se vitima com problemas. Ela não golpeia. Não ofende. Ela sorri, brinca e aceita, de fato, os presentes que a vida lhe traz. Ela anda com as estrelas. Sempre andou, sempre foi assim. Enquanto eu, aos 15 anos de idade tomava sopapo de bully numa escola qualquer do interior desse país, a moça que brilha e que tem a mesma idade que eu, já trabalhava como modelo de passarela no Japão, junto com sua irmã gêmea. Deus é um cara esquisito. Ele não só deu todos os atributos para essa moça, fez logo duas e provavelmente quebrou o molde. Mais esquisito ainda por ter colocado ela exatamente na minha vida. Não, dessa vez Ele acertou. 

Com todo amor que ela tem no coração, a moça que brilha me acolheu, cuidou de mim, entendeu meus traumas, meus medos, se importou com eles, se importou comigo. Com amor verdadeiro no coração, ela ficou brava comigo, por ver que eu tenho essa propensão a sempre desistir da vida. Ela não aceita isso. Ela até aceita acreditar em mim quando nem eu mesmo acredito, mas ela não aceita que eu desista. 

Estamos juntos há seis meses. Eu não me recuperei de tudo que passei ainda. Quando a gente descobre que foi traído infinitas vezes, de várias formas e por várias pessoas em quem a gente simplesmente escolheu confiar, quem vem depois é que sofre as consequências. Eu luto muito para mudar isso, mas não luto mais sozinho. A moça que brilha, ela luta ao meu lado. Ela me trouxe para dentro do seu círculo de amor. Ela me entende. Ela acredita em mim. Ela acredita em nós.

Pra quem tem fé, dizem, a vida nunca tem fim. Esse é um novo recomeço. É a partir deste ponto, que eu reinicio este blog, após 12 anos. 

Sobre bipolaridade e outras loucuras, tudo tem seu tempo, tenho muito para contar também. Esse post, no entanto, é seu, moça que brilha. E não é apenas uma menção a você. É a linha de fronteira que se rompeu, com a força do toque seu.

Sistema reiniciado. 

Fui.